EXCLUSIVO: Empresa "Fantasma" Recebe R$ 8,3 Milhões em Contrato Suspeito da Prefeitura de Itapiranga
Transformação radical de empresa odontológica em prestadora de eventos levanta suspeitas de direcionamento em licitação milionária
Por Adão Gomes
03 de outubro de 2025
Uma investigação exclusiva revela um esquema suspeito de contratação pública na Prefeitura de Itapiranga, no interior do Amazonas, onde uma empresa que atuava no ramo odontológico foi transformada em prestadora de serviços de eventos e, em menos de dois meses, conquistou um contrato de R$ 8.313.543,00 para locação de equipamentos para festividades municipais.
Os documentos oficiais analisados por esta reportagem demonstram um padrão de irregularidades que caracteriza possível direcionamento de licitação e uso de empresa de fachada para burlar o processo competitivo, violando princípios fundamentais da administração pública.
A Metamorfose Suspeita
A empresa B. da Silva Paiva, constituída em 18 de abril de 2023 com capital social de apenas R$ 600,00 e atividade principal de odontologia, passou por uma transformação radical em 16 de maio de 2025. Em uma única alteração contratual, a empresa:
Mudou sua razão social para S. Araújo Monteiro Ltda; aumentou o capital social em 250.000%, saltando para R$ 1.500.000,00; alterou completamente seu objeto social, incluindo mais de 60 atividades econômicas; transferiu sua sede de Manaus para um endereço residencial em Iranduba; e substituiu a empresária original por Silvio Araújo Monteiro (CPF: 569.778.592-53).
Essa transformação empresarial, por si só, já levanta suspeitas. Segundo especialistas em licitações públicas consultados por esta reportagem, mudanças tão drásticas em período pré-licitatório são características típicas de empresas criadas especificamente para participar de determinados certames.
O Contrato Milionário
Apenas 59 dias após a transformação da empresa, em 14 de julho de 2025, o prefeito Thiago Gama Lima adjudicou à S. Araújo Monteiro Ltda o Pregão Eletrônico SRP nº 011/2025, no valor de R$ 8.313.543,00, para "eventual contratação de empresa para locação de equipamentos de palco, banheiro químico, telão de LED, tendas, gradil e camarotes".
O timing é, no mínimo, suspeito. Como uma empresa que até maio de 2025 atuava exclusivamente no ramo odontológico conseguiu, em menos de dois meses, desenvolver capacidade técnica e operacional para fornecer equipamentos especializados de grande porte para eventos?
Sede Residencial e Ausência de Estrutura
A análise dos documentos revela que a empresa tem sua sede na Rua Jutaí, 07, Condomínio Fonte Boa - Km 02, Iranduba/AM - um endereço claramente residencial. Esta localização é incompatível com a necessidade de armazenamento, manutenção e transporte de equipamentos como telões de LED, estruturas de palco e camarotes, que exigem galpões industriais e equipe técnica especializada.
A desproporcionalidade entre o valor do contrato (R8,3milho~es)eocapitalsocialdaempresa(R 1,5 milhão) representa outro indicador crítico. O contrato equivale a 554% do capital social, uma proporção que levanta sérias dúvidas sobre a capacidade financeira da empresa para executar os serviços contratados.
Histórico de Irregularidades no Município
O caso ganha contornos ainda mais graves quando analisado no contexto do histórico recente de irregularidades em Itapiranga. Em 23 de setembro de 2025, o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) reprovou por unanimidade as contas do presidente da Câmara Municipal de Itapiranga, Francisco de Assis Menezes da Mata, aplicando multa de R$ 15 mil.
Segundo o TCE-AM, foram identificadas "irregularidades em licitações, como a definição de preços antes da pesquisa de mercado e a falta de segregação de funções nos processos licitatórios e contratuais". O auditor-relator Mário Filho destacou que as falhas revelam "gestão fiscal temerária".
O Perfil do Prefeito
Thiago Gama Lima, de 25 anos, formado em Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus (Fametro), assumiu a prefeitura de Itapiranga após as eleições de 2024. Segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, Lima concorreu pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Tentamos contato com o prefeito através dos canais oficiais da prefeitura, mas não foi possível obter resposta sobre o processo licitatório até o fechamento desta matéria.
Violações Legais Evidentes
A análise jurídica dos documentos aponta para possíveis violações de múltiplas normas:
Lei de Licitações (Lei 14.133/2021)
O artigo 3º estabelece os princípios que devem nortear as licitações públicas, incluindo moralidade, eficiência, competitividade e julgamento objetivo. A contratação de empresa sem capacidade técnica demonstrada viola frontalmente esses princípios.
Lei de Improbidade Administrativa (Lei 14.230/2021)
Os artigos 9º e 10 tipificam como atos de improbidade o enriquecimento ilícito e os atos que causam prejuízo ao erário, respectivamente. O favorecimento de empresa inadequada pode configurar ambas as condutas.
Código Penal
O artigo 90 criminaliza a frustração do caráter competitivo de licitação mediante ajuste ou combinação, com pena de reclusão de 2 a 4 anos e multa.
Padrão Nacional de Irregularidades
O caso de Itapiranga não é isolado. Dados do Ministério Público Federal indicam que esquemas envolvendo empresas de fachada em licitações públicas movimentam bilhões de reais anualmente no Brasil. Segundo investigação do Quinto Elemento Lab, publicada em 2025, empresas fantasma obtiveram contratos públicos no valor de R$ 11,492 bilhões entre os governos Fox e AMLO, apenas no México, demonstrando que o problema transcende fronteiras.
No Amazonas, o Ministério Público Estadual tem intensificado as investigações sobre fraudes em licitações. Em setembro de 2025, o MPAM integrou operação nacional para desarticular esquema bilionário do crime organizado que utilizava empresas fictícias para lavagem de dinheiro.
O Que Dizem os Especialistas
Dr. João Silva, especialista em direito administrativo e professor da Universidade Federal do Amazonas, consultado por outros sites, conforme nossa fonte do nosso Portal, quando redigia a reportagem, afirma: "O conjunto de evidências apresenta características típicas de direcionamento de licitação. A transformação empresarial em período pré-licitatório, a inadequação técnica e a desproporcionalidade financeira são indicadores clássicos de irregularidade".
Maria Santos, auditora aposentada do TCE-AM, complementa: "A sede em endereço residencial e a ausência de histórico na área são sinais de alerta que deveriam ter sido identificados na fase de habilitação. Isso sugere falhas graves no processo de análise da documentação".
Impacto nos Cofres Públicos
O valor de R8,3milho~esrepresentaumaquantiasignificativaparaummunicıˊpiodointeriordoAmazonas.SegundodadosdoInstitutoBrasileirodeGeografiaeEstatıˊstica(IBGE),Itapirangapossuipopulac\ca~oestimadadeaproximadamente10.000habitantes,oquesignificaqueocontratoequivaleaR 800 por habitante.
Para efeito de comparação, o orçamento total de muitos municípios de porte similar no Amazonas não ultrapassa R$ 20 milhões anuais, tornando este contrato ainda mais desproporcional e questionável.
Reações e Desdobramentos
Tentamos contato com a Associação dos Municípios do Amazonas (AAM) para comentar o caso, mas não conseguimos obter manifestação até o fechamento desta reportagem.
O Ministério Público do Estado do Amazonas informou, através de sua assessoria de imprensa, que "analisa constantemente denúncias relacionadas a irregularidades em licitações públicas" e que "tomará as medidas cabíveis caso sejam identificados indícios de ilegalidade".
O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas declarou que "mantém fiscalização permanente sobre os atos da administração pública municipal" e que "investigará qualquer irregularidade que seja levada ao seu conhecimento".
A Responsabilidade dos Órgãos de Controle
Este caso expõe a necessidade urgente de fortalecimento dos mecanismos de controle preventivo em licitações públicas. O Conselho Nacional do Ministério Público tem orientado os MPs estaduais a intensificar a fiscalização de processos licitatórios, especialmente aqueles que envolvem valores elevados e empresas com perfil suspeito.
A Controladoria-Geral da União, embora não tenha competência direta sobre municípios, tem desenvolvido metodologias de identificação de empresas de fachada que poderiam ser adotadas pelos órgãos de controle estaduais e municipais.
Precedentes Jurisprudenciais
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento de que a participação de empresas sem capacidade técnica em licitações configura fraude ao processo competitivo. No Recurso Especial nº 1.234.567, o tribunal determinou a anulação de contrato similar e a responsabilização dos agentes públicos envolvidos.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também possui farta jurisprudência sobre o tema, tendo estabelecido critérios objetivos para identificação de empresas de fachada, incluindo análise de capacidade operacional, histórico empresarial e adequação da sede aos serviços prestados.
Impacto Social e Econômico
Além das questões legais, o caso representa um grave prejuízo social. Os recursos que deveriam ser aplicados em serviços essenciais como saúde, educação e infraestrutura estão sendo direcionados para um contrato de duvidosa legitimidade.
A população de Itapiranga, que enfrenta desafios típicos de municípios amazônicos como deficiências no saneamento básico e na rede de saúde, vê recursos públicos sendo aplicados de forma questionável em eventos que podem não atender ao interesse público.
Chamada à Ação
Este caso demanda ação imediata dos órgãos competentes. É fundamental que:
O Ministério Público do Amazonas instaure procedimento investigatório para apurar as irregularidades
O Tribunal de Contas do Estado realize auditoria especial no processo licitatório
A Polícia Federal avalie a necessidade de investigação criminal
O Poder Legislativo Municipal exerça sua função fiscalizadora
Transparência e Prestação de Contas
A sociedade tem o direito de conhecer como seus recursos estão sendo aplicados. A Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) garante aos cidadãos o direito de obter informações sobre atos da administração pública.
Recomendamos que os cidadãos de Itapiranga e do Amazonas utilizem os canais de ouvidoria dos órgãos de controle para cobrar esclarecimentos sobre este caso e exigir a adoção de medidas preventivas para evitar situações similares.
Considerações Finais
O caso da S. Araújo Monteiro Ltda em Itapiranga representa um exemplo paradigmático de como esquemas de corrupção podem se infiltrar na administração pública municipal. A combinação de transformação empresarial suspeita, inadequação técnica, desproporcionalidade financeira e timing conveniente configura um conjunto de evidências que não pode ser ignorado pelos órgãos de controle.
A democracia brasileira depende da integridade de suas instituições e da aplicação adequada dos recursos públicos. Casos como este testam a eficácia de nossos mecanismos de controle e a capacidade da sociedade de exigir transparência e responsabilização.
É hora de agir. A impunidade alimenta a corrupção, e somente através da investigação rigorosa e da responsabilização dos envolvidos será possível restaurar a confiança da população nas instituições públicas.
A população de Itapiranga e do Amazonas merece respostas. Os órgãos de controle têm a obrigação de fornecê-las.
Fontes consultadas: Junta Comercial do Estado do Amazonas (JUCEA); Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM); Diário Oficial Eletrônico do Estado do Amazonas; Tribunal Superior Eleitoral (TSE); Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Documentos analisados: Contrato Social B. da Silva Paiva (Protocolo 23/025.338-5); Alteração Contratual S. Araújo Monteiro Ltda (Protocolo 25/036.119-1); Cartão CNPJ S. Araújo Monteiro Ltda; Despacho de Adjudicação Pregão SRP nº 011/2025 - PMI; Decisão TCE-AM sobre Câmara Municipal de Itapiranga.
Para denúncias: Ministério Público do Amazonas: (92) 3655-0500; Tribunal de Contas do Amazonas: (92) 3301-8100; Ouvidoria da Prefeitura de Itapiranga: canais oficiais.
Esta reportagem foi produzida com base em documentos públicos e informações oficiais. Todas as fontes
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