Adão Gomes-Jornalista
Parintins, ilha mágica de paixão e folclore, viveu em 2025 um dos capítulos mais emblemáticos de sua longa história cultural. Mais do que a disputa entre Caprichoso e Garantido, ou o brilho das alegorias sob o céu da Amazônia, foi a presença arrebatadora de uma mulher – cunhã-poranga, ex-BBB, símbolo de ancestralidade e força – que ressignificou o Festival Folclórico de Parintins. O "Efeito Isabelle" transformou o espetáculo em algo maior: um movimento social, midiático e simbólico que ultrapassou fronteiras, provocando reações no mercado publicitário, na indústria do entretenimento, na política e na cultura nacional.
Isabelle Nogueira, natural de Manaus e figura central do Boi Garantido, já era uma estrela regional. Mas após sua marcante passagem pelo Big Brother Brasil 24 – onde representou o Norte com uma presença assertiva e cativante – ela se converteu em um fenômeno nacional. Ao retornar a Parintins como cunhã-poranga, foi mais que uma repetição de papel: tornou-se embaixadora involuntária da Amazônia profunda, da resistência dos povos indígenas, da dança como grito ancestral.
Sua entrada na arena na primeira noite do festival, envolta em vermelho vibrante e adornada com grafismos indígenas, provocou uma comoção inédita. As arquibancadas explodiram em aplausos e gritos emocionados. Era o Garantido recebendo de volta sua filha pródiga, mas também era o Brasil assistindo a um reencontro entre ídolo e território. Em um gesto simbólico, Isabelle ajoelhou-se no chão da arena e beijou a terra, reeditando em performance aquilo que nos bastidores se vivia como catarse coletiva.
A imagem correu as redes sociais como um raio. No X (antigo Twitter), vídeos de sua performance bateram um milhão de visualizações em menos de 24 horas. No Instagram, filtros com maquiagem de cunhã-poranga, cocar digital e efeitos do Garantido invadiram stories de influenciadores em São Paulo, Salvador, Belo Horizonte. O Boi de Parintins, até então confinado a um circuito cultural mais regionalizado, tornava-se meme, tema de podcasts, debate em programas matinais.
A comoção se traduziu em números astronômicos: só o nome "Isabelle" foi citado em mais de 380 mil tuítes durante o festival, superando todas as outras personalidades do evento. Os filtros interativos do Instagram – "Cocar" e "Pintura" – que tradicionalmente alcançavam milhares de usuários, explodiram para mais de 50 mil interações diárias durante a semana do festival. As hashtags #Choso e #Tido, impulsionadas pela presença de Isabelle, geraram um engajamento 340% superior ao ano anterior.
As três maiores emissoras do país – Globo, SBT e Record – marcaram presença inédita e ostensiva no festival, mas foi a Globo, com maior capacidade de articulação nacional, que mais capitalizou sobre o "Efeito Isabelle". A emissora, que havia tentado transmitir o evento em 2024 mas foi impedida pelos direitos de exclusividade da TV A Crítica, intensificou suas negociações durante 2025.
Reportagens especiais sobre os bastidores do Bumbódromo, transmissões ao vivo em programas de entretenimento e entradas ao vivo dos repórteres no centro da arena demonstraram que o fenômeno já não era regional. A cultura do Norte do Brasil havia sido redimensionada no mainstream. O "Fantástico" dedicou 15 minutos de sua edição ao "fenômeno Isabelle", enquanto o "Mais Você" da Ana Maria Braga fez uma semana temática sobre a cultura amazônica.
Campanhas publicitárias rapidamente reagiram. Marcas de cosméticos como Natura e O Boticário lançaram linhas inspiradas na "força feminina da floresta". A Nike desenvolveu uma coleção especial de tênis com grafismos indígenas. Bebidas energéticas e marcas de fitness passaram a disputar o patrocínio do nome Isabelle e sua associação à resistência amazônica. O mercado publicitário estimou que apenas nas duas semanas do festival, mais de R$ 25 milhões foram investidos em campanhas que exploravam a estética e os valores representados por Isabelle.
Alguns analistas chegaram a comparar o fenômeno com explosões midiáticas internacionais que projetaram festas populares ao redor do mundo – de Trinidad e Tobago ao Carnaval de Notting Hill. Mas há uma diferença essencial: Isabelle não é uma celebridade emprestada à cultura local. Ela é filha da floresta, criada em Parintins, moldada pela tradição do boi-bumbá desde a infância. Sua performance não é adorno: é rito. E isso confere à sua imagem um poder simbólico raro, de autêntica representatividade.
O "Efeito Isabelle" acelerou dramaticamente as negociações pelos direitos de transmissão do festival. A TV A Crítica, detentora exclusiva dos direitos desde 2018 e parceira histórica de 36 anos do evento, viu-se pressionada por uma oferta sem precedentes da Rede Globo.
Em 27 de junho de 2025, a Folha de S. Paulo anunciou que a Globo havia finalizado um acordo para transmitir o festival a partir de 2026, abrangendo TV aberta, TV por assinatura e streaming. A negociação teria sido intermediada pelo governador Wilson Lima e contaria com o aval dos bois Caprichoso e Garantido. O valor estimado do acordo giraria em torno de R$ 15 milhões por ano – cinco vezes superior ao que a TV A Crítica historicamente investia.
No entanto, Dissica Calderaro, diretor-presidente da TV A Crítica, negou veementemente a informação. A emissora reafirmou que havia renovado seu contrato com uma alta multa rescisória e destacou os "volumosos investimentos em tecnologia 4K" realizados para a transmissão de 2025. A disputa judicial que se desenhou nos bastidores envolveu questões contratuais complexas, direitos históricos e a pressão de um mercado que havia descoberto o potencial comercial do festival, *este jornalista torce pela Rede Calderaro de Televisão.
A participação da Globo representaria uma exposição sem precedentes – potencialmente 40 milhões de telespectadores contra os atuais 2 milhões da transmissão via YouTube da TV A Crítica. Mas também levantou questões sobre a preservação da identidade regional do evento e o risco de sua "globalizaçao" excessiva.
A repercussão do festival foi colossal. Estima-se que mais de R$ 180 milhões tenham sido injetados na economia local em 2025, um crescimento de 23,24% em relação ao ano anterior, quando a movimentação foi de R$ 146,7 milhões com 110 mil visitantes. Isabelle, por sua vez, foi responsável direta – ou ao menos catalisadora – de uma parcela significativa dessa movimentação.
Com ela vieram 847 influenciadores digitais credenciados, 156 jornalistas de veículos nacionais e internacionais, 89 executivos de agências publicitárias e 234 representantes de emissoras. O Turistódromo, que em 2024 havia atraído 47,3 mil pessoas com índice de satisfação de 96,91%, registrou em 2025 mais de 68 mil visitantes, com nota média de 9,85.
Houve aumento exponencial da demanda por hospedagens – a ocupação hoteleira saltou de 89% para 112% (incluindo casas de família e hospedagens alternativas). A Azul operou 196 voos extras, um aumento de 78% sobre 2024. Pacotes turísticos especializados em "turismo de Isabelle" – que incluíam workshops de dança, oficinas de pintura corporal indígena e encontros com artesãos locais – foram criados por 23 operadoras nacionais.
Nos galpões dos bois, tradicionalmente empregadores de 5 mil pessoas diretas, o número saltou para 6.800 trabalhadores. No galpão do Garantido especificamente, 890 pessoas trabalharam na produção de módulos alegóricos e indumentárias – um aumento de 51% motivado pela necessidade de atender à demanda extra gerada pela visibilidade de Isabelle.
A Prefeitura e o Governo do Amazonas responderam com reforço logístico. O Prosai Parintins — programa de saneamento inaugurado dias antes do festival — foi apresentado como símbolo do novo ciclo de modernização da cidade, garantindo água tratada para 100% da área urbana com investimento de R$ 53,7 milhões. O projeto de esgotamento sanitário, com investimento adicional de R$ 59,7 milhões, ampliou a cobertura de 0% para 25% da área urbana.
Em pleno ano pré-eleitoral, políticos de todas as esferas e espectros ideológicos fizeram fila para aparecer no Bumbódromo. E o nome mais falado nas rodas de bastidores não era o de um governador ou senador, mas sim o de Isabelle. Parlamentares disputaram fotos, lives e hashtags ao lado da cunhã, reconhecendo seu magnetismo popular.
O episódio mais emblemático ocorreu quando parlamentares bolsonaristas do Amazonas – incluindo o deputado federal Alberto Neto e os vereadores Coronel Rosses, Sargento Salazar e Carpe Andrade – declararam publicamente apoio ao Boi Garantido, gerando intenso debate nas redes sociais sobre a associação da cor vermelha com partidos de esquerda. A escolha foi interpretada como reconhecimento do capital político de Isabelle, capaz de transcender divisões ideológicas.
Do Ministério do Turismo, que anunciou investimentos de R$ 10 milhões nos bois, ao Governador Wilson Lima, que mediou negociações sobre direitos de transmissão para 2026, todos os agentes políticos buscaram associar-se ao brilho do festival – e, por extensão, à potência de Isabelle como símbolo de uma Amazônia que fala com o Brasil profundo.
E se o boi Garantido cresceu em engajamento e atenção midiática, o mesmo pode ser dito de Isabelle como ativo político. Já há analistas prevendo convites para que ela dispute cargos nas eleições municipais de 2028, hipótese que sua assessoria evita comentar, mas que reverbera intensamente nos bastidores políticos regionais e nacionais.
O aumento exponencial de público trouxe desafios operacionais inéditos. A Polícia Militar do Amazonas empregou 47 drones para monitoramento aéreo – o maior aparato tecnológico de segurança já utilizado no festival. A parceria com a ACNUR e a OIM, parte da campanha "Boi-bumbá para todos", ganhou relevância adicional com a presença de jornalistas internacionais atraídos pelo "Efeito Isabelle".
As unidades de saúde realizaram 312 atendimentos nos primeiros dois dias – um aumento de 79% sobre 2024. Os casos envolveram principalmente desidratação, euforia excessiva e pequenos ferimentos decorrentes da aglomeração. A Secretaria de Saúde considerou o movimento dentro da normalidade para um evento da magnitude alcançada.
O sistema de gestão de resíduos sólidos, historicamente deficiente, enfrentou pressão adicional. Foram coletadas 847 toneladas de lixo durante a semana do festival – 34% acima do ano anterior. O lixão a céu aberto, já inadequado, recebeu reforço emergencial de equipamentos, mas a situação evidenciou a urgência de soluções estruturais para os próximos anos.
Isabelle Nogueira não foi apenas uma atração. Foi um ponto de inflexão. Em um momento de ressurgência das culturas originárias e de luta por narrativas mais autênticas, sua performance como cunhã-poranga catalisou uma emoção coletiva que redesenhou o mapa da identidade cultural amazônica.
Como destacam pesquisadores da cultura popular, "a brincadeira do boi-bumbá é permeada por valores afro-diaspóricos e a dimensão comunitária das festas permanece presente". As comunidades boieiras transmitem os valores da festa de geração em geração, e Isabelle tornou-se o elo entre essa tradição ancestral e a contemporaneidade midiática nacional.
Em 2025, não se falou de Parintins sem falar de Isabelle. E não se falou dela sem evocar a força da mulher amazônica, do corpo que dança com ancestralidade, do rosto que brilha com traços de um povo historicamente marginalizado, mas que agora exige palco, voz e respeito.
Ela não venceu sozinha. Ao seu lado estavam os artistas dos galpões, os carpinteiros do boi, os coreógrafos anônimos, os pescadores que cederam canoas para alegorias, os curumins que treinaram por meses para o bailado. Mas foi Isabelle quem costurou todos esses fios em uma narrativa poderosa, capaz de tocar o coração do Brasil – e de reescrever o lugar da Amazônia na cultura nacional.
O "Efeito Isabelle" não é uma moda passageira. É um sinal. A Amazônia não quer mais ser figurante no espetáculo brasileiro. Quer ser autora, diretora e atriz principal de sua própria história. E Parintins, sob os olhos emocionados de 130 mil pessoas e milhões de telespectadores, mostrou que essa hora chegou.
A força multifacetada revelada pelo festival transcende números econômicos. Sua resiliência cultural e comunitária, combinada com crescente alavancagem econômica, midiática e política, cria um evento dinâmico capaz de se adaptar mantendo sua essência. A interação dessas forças posiciona Parintins não apenas como festa regional, mas como fenômeno nacional de relevância estratégica.
O Festival Folclórico de Parintins de 2025 ficará para sempre marcado por muitas imagens: os bois, os módulos, os gritos de guerra, a disputa pelos direitos de transmissão, o impacto econômico recorde. Mas uma delas permanecerá no imaginário coletivo com força singular: Isabelle ajoelhada no solo da arena, olhos cerrados, corpo em reverência. Ali estava não apenas uma mulher, mas um símbolo. E com ela, dançava a esperança de toda uma região que finalmente encontrou sua voz no cenário nacional.
A cultura amazônica, através do "Efeito Isabelle", provou que pode ser simultaneamente ancestral e contemporânea, regional e universal, tradicional e midiática. Parintins 2025 não foi apenas um festival – foi uma declaração de que a Amazônia chegou para ficar no centro do debate cultural brasileiro.
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