Por Adão Gomes - Jornalista
Respire fundo, Manaus. Porque o que está prestes a ser revelado no Museu da Cidade não é apenas arte; é um espelho. Um espelho rachado, sujo de lágrimas e silêncios, que reflete uma das mais brutais e subnotificadas violências que se esconde sob o véu da nossa sociedade: o abuso contra a pessoa idosa.
No coração pulsante da Amazônia, onde o tempo parece ter outra dimensão e a sabedoria ancestral flui como os rios, paradoxalmente, a vulnerabilidade da pessoa idosa pode ser ainda mais cruel e invisível. É neste cenário de contrastes dramáticos que a Prefeitura de Manaus, através da Fundação de Apoio ao Idoso Dr. Thomas (FDT) e em parceria com a Manauscult, lança um grito de alerta que ecoa como um trovão na floresta: "Fragmentos da Vulnerabilidade: Arte e resistência contra a violência à pessoa idosa".
Nesta terça-feira, 17 de junho, às 15h, no histórico Paço da Liberdade, que abriga o Museu da Cidade de Manaus, a cidade se vê diante de uma provocação contundente. Não se trata de uma exposição qualquer. São 13 obras inéditas, que não aceitaram a comodidade do digital, que se recusaram a ser meros pixels em uma tela. Elas são a materialização da dor, da esperança e da revolta.
Pensemos na Amazônia. Nossos idosos, muitas vezes, são os guardiões de nossa memória, os detentores de saberes passados de geração em geração. Eles viram a floresta mudar, as cidades crescerem, as águas subirem e descerem. Mas por trás dessa imagem quase mística, existe uma realidade desoladora. O isolamento geográfico de muitas comunidades ribeirinhas, a falta de acesso a serviços básicos e a naturalização de certas práticas dentro do próprio seio familiar tornam nossos idosos um alvo fácil.
Os dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) e do IBGE são mais do que estatísticas gélidas; são ecos de gritos sufocados. Eles mostram um Brasil que envelhece rapidamente, mas que falha miseravelmente em proteger aqueles que deveriam ser mais cuidados. Violência física, psicológica, financeira, negligência, abandono… Cada tipo de abuso é um fragmento de dignidade roubado, uma vida que se esvai em silêncio. E aqui, na vastidão amazônica, onde o calor pode ser sufocante e a umidade impregna a alma, a sensação de desamparo pode ser ainda mais opressora.
É aqui que a arte entra, não como um adorno, mas como uma faca afiada na garganta do silêncio. A exposição "Fragmentos da Vulnerabilidade" é um soco no estômago, um convite irrecusável à desconfortável reflexão. Ao incorporar elementos do dadaísmo contemporâneo e técnicas de inteligência artificial, as obras desafiam a lógica, a razão, o conformismo. O dadaísmo, que subverteu a ordem, aqui serve para desconstruir a invisibilidade da violência. A inteligência artificial não cria, mas processa a dor humana, os dados cruéis, as narrativas silenciadas, transformando-os em visual que nos força a ver o que não queremos.
Cada uma das 13 obras é uma janela aberta para um pesadelo diário, para os relatos que nunca chegam à polícia, para os olhares vazios de quem já perdeu a esperança. São convites para mergulhar nas estatísticas secas e descobrir as lágrimas, o medo e a profunda dor que se escondem por trás delas.
Esta exposição é mais do que um evento do "Junho Violeta"; é um chamado à responsabilidade coletiva. Não podemos mais nos dar ao luxo da indiferença. Nossos idosos não são um peso; são a base, a história viva, a memória de quem somos. A violência contra eles é uma cicatriz em nossa própria humanidade.
Você, que caminha pelas ruas de Manaus, que respira o ar úmido da floresta, que ouve o burburinho da cidade: não se cale. Não ignore o vizinho que parece mais magro, o olhar assustado, a história que não faz sentido. Denuncie! Ligue 100! Fale! A arte no Museu da Cidade é o convite. A ação, porém, é sua responsabilidade.
Vá ao Museu da Cidade de Manaus. Sinta o impacto dessas obras. Deixe que elas quebrem suas barreiras de negação. Porque só enxergando a realidade em toda a sua brutalidade podemos, enfim, começar a construir um futuro onde a vulnerabilidade se transforme em fortaleza, e a resistência em vitória. Nossos idosos merecem mais do que fragmentos de dignidade; merecem a plenitude de uma vida respeitada e protegida. A luta começa agora, na sua consciência.
O quê: Exposição "Fragmentos da Vulnerabilidade: Arte e resistência contra a violência à pessoa idosa"
Quando: Inauguração nesta terça-feira, 17/6, às 15h (Verifique os horários de visitação nos dias seguintes)
Onde: Museu da Cidade de Manaus, localizado no Paço da Liberdade, Rua Gabriel Salgado, Centro Histórico de Manaus
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