ARTIGO
A Fadiga Cognitiva no Coração do Poder Brasileiro: Um Chamado à Consciência Cívica e à Reação Popular
Adão Gomes - Jornalista
I. O Esgotamento Inevitável: Quando o Poder Pede Arrego Mental
O Brasil de 14 de junho de 2025, em plena tarde manauara, vive um paradoxo inquietante. Enquanto a vida segue seu curso frenético, o coração da nossa República – o Congresso Nacional – parece padecer de um mal invisível, mas profundamente corrosivo: a fadiga cognitiva. Não se trata de uma metáfora poética, mas de um diagnóstico sombrio que ecoa os estudos da neurociência sobre o esgotamento mental sob pressão prolongada. Nossos legisladores, submetidos a uma avalanche de informações, decisões complexas e um estresse político contínuo, demonstram sintomas de um sistema que perdeu a capacidade de operar em sua plenitude, impactando diretamente o cotidiano dos brasileiros.
A ciência é clara: o cérebro fatigado tende a priorizar respostas automáticas e intuitivas (o "Sistema 1"), em detrimento da análise crítica e deliberativa (o "Sistema 2"). No contexto legislativo, isso se traduz em decisões apressadas, projetos sem profundidade estratégica e uma reatividade crônica que substitui a proatividade necessária. A aprovação tardia e a natureza "irrealista" do orçamento de 2025, conforme apontado por economistas do Valor Econômico, são mais que falhas pontuais; são sintomas de um parlamento operando no limite de sua capacidade mental. O mesmo se observa na estagnação de reformas cruciais, como a tributária, que se arrastam em um limbo burocrático e político, enquanto as necessidades do país gritam por soluções. Essa inércia não é apenas uma questão de má vontade; é o reflexo de um sistema sobrecarregado, onde a complexidade das pautas e a pressão constante para "apagar incêndios" impedem a visão de longo prazo.
II. Os Idosos: Vítimas do Lento Colapso da Compaixão Legislativa
Se há um grupo que personifica a tragédia da fadiga cognitiva do Congresso, são os idosos. A pauta da "revisão da vida toda" – uma correção histórica que poderia dignificar aposentadorias ao considerar todas as contribuições previdenciárias ao INSS – virou um símbolo de descaso. Em 13 de junho de 2025, o Supremo Tribunal Federal suspendeu novamente o julgamento (Agência Brasil), lançando milhões de aposentados em um purgatório de incertezas. Essa procrastinação legislativa e judicial, em um tema tão sensível e vital para a subsistência de uma parcela significativa da população, é um reflexo chocante de uma instituição que parece incapaz de processar e resolver questões complexas com a agilidade e a empatia que a sociedade demanda.
Pior que a inação é a vulnerabilidade flagrante. As fraudes financeiras contra idosos explodiram no Brasil. Em 2024, houve um aumento alarmante de 11,9% nas tentativas de golpe contra pessoas acima de 60 anos, totalizando 11,5 milhões de investidas (Serasa Experian). A "Operação Sem Desconto" revelou um desvio estarrecedor de R$ 6,3 bilhões de aposentados (Agência Brasil). Diante desses números, a ausência de leis eficazes, a lentidão na criação de mecanismos de proteção e a fragilidade na fiscalização dos responsáveis são indícios claros de um Congresso que, por fadiga ou por desinteresse, falha em seu dever mais básico: proteger os cidadãos mais vulneráveis. É uma tragédia social impulsionada pela ineficiência legislativa, que deixa nossos pais e avós à mercê de criminosos, sem a devida blindagem que um poder legislativo funcional deveria prover.
III. A Gangorra da Política: Centrão, Articulação e a Inflação da Insatisfação
A complexidade do cenário político brasileiro é agravada por elementos que, paradoxalmente, contribuem para a fadiga e a paralisia. O "centrão", com sua inegável capilaridade e domínio de 62% dos municípios desde 2025 (CNN Brasil), exerce uma influência avassaladora sobre o orçamento via emendas parlamentares. O aumento de 28,4% nessas emendas desde 2017 (Ministério da Fazenda), com a proliferação das opacas emendas "Pix", transforma o Legislativo em um balcão de negociações, onde os interesses locais e as barganhas políticas muitas vezes se sobrepõem à visão de Estado. Essa dinâmica, embora seja parte do jogo político, é exaustiva, pois desvia a energia mental dos legisladores da formulação de políticas públicas para a arte da transação, contribuindo para o esgotamento. A busca incessante por recursos e bases eleitorais de curto prazo impede o foco em projetos de nação.
O governo Lula, cuja aprovação em junho de 2025 caiu para 28%, com 40% de desaprovação (Datafolha), enfrenta um desafio hercúleo na articulação com um Congresso fragmentado. As constantes derrotas em votações importantes, como a derrubada de vetos cruciais – a exemplo da Lei das Saidinhas –, demonstram a fragilidade de um Executivo que, por sua vez, também se desgasta na tentativa de costurar acordos. Essa tensão permanente entre os poderes não é apenas política; é uma fonte de estresse sistêmico que intensifica a fadiga de ambos os lados, tornando a governança um exercício de pura resiliência. A capacidade de governar é drenada por conflitos internos e pela necessidade de concessões contínuas.
A inflação persistente, que em junho de 2025 ainda corrói o poder de compra do brasileiro, exige respostas rápidas e eficazes. A percepção pública de que o governo Lula tem um desempenho pior em áreas como inflação (33% pior que Bolsonaro) e segurança pública (33% pior) (Tribuna do Planalto), conforme o Datafolha, alimenta uma insatisfação generalizada. Essa pressão externa, somada à incapacidade interna do Congresso de produzir soluções estruturais, cria um ciclo vicioso de desconfiança e frustração popular. O clamor por resultados se choca com a paralisia institucional, aprofundando o abismo entre o poder e o povo.
IV. A Judicialização Crônica e a Polarização: Sintomas de um Organismo Doente
O Supremo Tribunal Federal, muitas vezes, atua como um termômetro da disfunção legislativa. Com mais de 800 ações de inconstitucionalidade apresentadas desde 2014 (CNN Brasil), o STF é compelido a intervir em questões que deveriam ter sido resolvidas no Legislativo. A declaração do Ministro Gilmar Mendes de que o modelo de medidas provisórias está "esgotado" (STF) é um grito de alerta. Essa judicialização excessiva, embora por vezes necessária para preencher vazios, sobrecarrega o Judiciário e, ironicamente, contribui para a fadiga cognitiva do Congresso, que passa a operar sob a sombra de uma possível intervenção judicial. A incerteza jurídica gerada por essa dinâmica é um fardo adicional para a já exaurida máquina legislativa.
A polarização ideológica entre esquerda e direita é, talvez, o mais potente catalisador dessa fadiga. Os debates se tornam trincheiras, onde a disputa por narrativas e a defesa intransigente de posições sobrepõem-se à busca por soluções pragmáticas. A energia institucional é desperdiçada em embates simbólicos, como o da "revisão da vida toda", que, em vez de ser tratada como uma questão técnica de justiça social, se transforma em campo de batalha ideológico. Essa polarização não apenas esgota os próprios atores políticos, mas também confunde e desmobiliza a sociedade, que assiste perplexa a um espetáculo de conflitos improdutivos em vez de avanços concretos.
V. O Esquecimento da Nação e o Imperativo da Reação em 2026
Aqui reside a mais dolorosa das reflexões: a fadiga cognitiva do Congresso é alimentada, em parte, pelo esquecimento e pela inação da própria nação. As "ingratidões" – sejam elas o descaso com os idosos, a estagnação de reformas ou a permissividade com a corrupção velada – são frequentemente varridas para debaixo do tapete pela memória seletiva de um eleitorado cansado e desiludido. A baixa aprovação do Congresso, que se mantém em patamares críticos, deveria ser um catalisador para a mudança, mas muitas vezes se esvai na apatia, na descrença de que algo possa, de fato, melhorar.
É chegada a hora de uma reação. O ano de 2026 se aproxima, e com ele a oportunidade de interromper o ciclo vicioso dessa fadiga institucional. Não se trata apenas de mudar nomes, mas de exigir uma mudança de postura, de prioridades e de mentalidade de quem nos representa. O povo brasileiro precisa despertar para a gravidade da fadiga cognitiva que assola nosso Congresso e seus impactos diretos em suas vidas – desde a aposentadoria digna dos avós até a segurança contra as fraudes que roubam o futuro. A nossa memória não pode ser tão curta, a ponto de permitir que a história se repita indefinidamente.
A capacidade de reagir está nas urnas, mas também na voz das ruas e na vigilância constante. É preciso demandar um legislativo que seja capaz de planejar a longo prazo, que proteja os vulneráveis, que se articule com base no interesse nacional e que transcenda a polarização estéril. A "fadiga cognitiva" não é uma desculpa; é um alerta. E a resposta para esse alerta deve vir da sociedade, que em 2026, tem a chance de reenergizar a própria democracia e resgatar a esperança em um futuro mais justo e eficiente. A responsabilidade é nossa, e o tempo para agir é agora.
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