Em apenas 20 dias, o Hospital Regional Dr. Abelardo Santos (HRAS) realizou oito captação de órgãos. Esse resultado representa um avanço na consolidação da unidade como referência na captação de rins e fígado no Pará - graças à solidariedade de quem, mesmo diante da dor da perda, autorizou a doação dos órgãos de seu ente querido e ajudou a salvar outras vidas nesse período.
“Oito pessoas tiveram uma nova oportunidade. É um processo minucioso, mas também muito nobre. Cada doação carrega consigo uma trajetória, uma família e uma escolha que transforma a realidade de quem aguarda por um transplante”, destaca a enfermeira Dejenane Costa, presidente da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplantes (CIHDOTT) do HRAS.
Dejenane acrescenta que “a doação de órgãos não é apenas sobre salvar vidas, é sobre transformar a dor em esperança” e que “essas famílias entenderam que, mesmo no momento mais difícil, é possível fazer a diferença”. Ela conclui: “Por isso, conversar sobre seu desejo de doar os órgãos ainda em vida com a família é essencial, pois quem decide e autoriza a doação são os familiares de primeiro grau”.
Os procedimentos seguem os protocolos do Ministério da Saúde, com exames clínicos e a avaliação da CIHDOTT do hospital, até a confirmação do diagnóstico de morte encefálica. As captações foram viabilizadas pela Secretaria de Estado da Saúde do Pará (Sespa), por meio da Central Estadual de Transplantes (CET), como parte das ações que fortalecem a política pública de transplantes no estado.
Crescimento
O recente resultado do HRAS se soma às estatísticas positivas no Pará, que, nos últimos anos, registrou um crescimento de 130% na área de transplantes. Segundo a Sespa, entre 2022 e 2024, foram 1.512 procedimentos, com a córnea sendo o tecido mais demandado nesse intervalo. Em 2022, ocorreram 272 captações. No ano seguinte, esse total subiu para 613, e, em 2024, atingiu 627 procedimentos.
Para o coordenador da CET, Dr. Alfredo Abud, o desempenho do hospital reflete o avanço da política estadual de transplantes e o compromisso do Governo do Pará em ampliar esse serviço. “A integração entre a Central de Transplantes, comissões intra-hospitalares e equipes multiprofissionais garante agilidade, segurança e qualidade em todo o processo. Os números mostram que estamos no caminho certo, com investimentos em estrutura, capacitação e sensibilização da rede”, afirmou.
Desafios
Localizado em Icoaraci, distrito de Belém, o HRAS é referência em estrutura de alta complexidade e na humanização durante o processo. O cuidado se estende desde o acolhimento ao paciente até o suporte aos familiares. Cada captação de órgãos é conduzida por uma equipe multiprofissional treinada, composta por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos e outros profissionais especializados.
Mas, apesar do crescimento e do aparato técnico e humano disponível, a taxa de doação ainda é considerada baixa, como mostram os números: Em 2024, por exemplo, dos 17 pacientes considerados potenciais doadores no Hospital Abelardo Santos, apenas dois tiveram a doação efetivada após a autorização da família. Isso significa que naquele ano, houve recusa de 88,23% dos familiares.
Para o enfermeiro e vice-presidente da CIHDOTT, Daniel de Freitas, as razões para a recusa são diversas: “Em muitos casos, a família desconhece a vontade do falecido em ser doador, o que gera insegurança e resistência no momento da decisão. A falta de informação sobre o processo de doação e transplante, além de mitos e desconfianças sobre a integridade do corpo, também pesam”, revelou.
Questões religiosas e culturais são outros fatores. “Embora a maioria das religiões não se oponha à doação de órgãos, muitas famílias interpretam a prática como um desrespeito ao corpo ou têm receio de interferir na despedida. Diante desses e outros fatores, o Hospital Abelardo Santos tem intensificado as campanhas de conscientização para que possamos mudar essa realidade”, disse Daniel de Freitas.
No contexto nacional, segundo a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), mais de 40% das possíveis doações não se concretizam por negativa familiar. Isso significa que, mesmo com o potencial de salvar até oito vidas com um único doador, a decisão final dos parentes impede que o processo avance. Atualmente, mais de 43 mil pessoas estão à espera por um transplante no Brasil.
Como ser um doador de órgãos?
Segundo a ABTO e a Lei dos Transplantes, nenhuma declaração em vida é considerada válida para autorizar a doação de órgãos. Isso significa que não é possível registrar esse desejo em testamento ou em documentos como a carteira de identidade ou de habilitação. Por esse motivo, o passo mais importante é conversar com a família e deixar claro o seu desejo de ser um doador.
“Quanto mais pessoas conseguirmos sensibilizar sobre a importância da doação de órgãos, ampliamos a possibilidade daqueles pacientes que aguardam por um órgão de, enfim, vivenciar o momento do transplante. Então o nosso objetivo é fazer com que essa família entenda a importância do processo e saia daqui como replicadora desse ato de amor”, concluiu a enfermeira do CIHDOTT, Lucinéia Veloso.
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